Indoor Farming: o conceito por trás da moda
16 de abril de 2024
8 min de leitura
Não se trata de “resolver a fome no mundo” nem de “fazer salada para os ricos”, mas de colonizar ambientes inóspitos
A agricultura vertical, agricultura indoor ou indoor farming é uma prática de cultivo agrícola em camadas verticais empilhadas, que frequentemente usa técnicas aeropônicas ou hidropônicas em ambientes fechados. Esse método adota processos tecnologicamente avançados, muitas vezes totalmente automatizados e até mesmo conduzidos por sistemas autônomos e robóticos de última geração.
O propósito fundamental da agricultura indoor é superar as limitações do modelo extensivo convencional e tornar possível o cultivo de plantas em contextos desafiadores, como regiões desérticas ou até mesmo o espaço. Essa prática tem se alinhado aos interesses de empresários, investidores, agricultores, empresas de tecnologia agrícola, pesquisadores, companhias do setor de alimentos e governos ao redor do mundo e vem sendo reconhecida como uma tendência tecnológica. No entanto, pouco se discute sobre sua viabilidade, desafios e modelos de atuação. As principais vantagens e desafios do setor estão listados a seguir.
Os principais relatórios de inteligência do mundo, como Research and Markets, Grand View Research, Markets and Markets, Future Markets Insight e Mordor Intelligence, apontam para uma movimentação média de US$ 33,9 bilhões pelo mercado de cultivo indoor em 2022, com uma projeção inicial de atingir US$ 93 bilhões até 2032, mantendo uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 10,9%.
Entre as tendências mais relevantes nesse cenário, destacam-se o papel crucial desempenhado pelo setor no consumo de lâmpadas de LED e a notável liderança tecnológica da região Ásia-Pacífico. No Brasil, o modelo de cultivo indoor também conquistou espaço, com investimentos que se aproximaram dos R$ 70 milhões nos últimos anos. Apesar da resistência devido à disponibilidade abundante de áreas cultiváveis no país, o modelo de agricultura vertical tem sido explorado para obter vantagens competitivas, especialmente na logística e distribuição de alimentos em grandes centros urbanos, além de possibilitar o cultivo de variedades exóticas de alto valor agregado, porém pouco adaptadas às condições climáticas brasileiras.
A queda
Entretanto, após um período de euforia em 2021, o ano de 2022 deu início a um processo de desmistificação da produção vertical, com a exposição de desafios significativos, incluindo a falta de escala, custos elevados, dificuldades na produção de alimentos mais calóricos e outros impactos causados pela crise energética.
Empresas listadas na bolsa americana viram seus valores de mercado despencarem mais de 12 vezes em comparação ao ano anterior; algumas delas tiveram que abandonar seus planos de oferta pública inicial (IPO), devido a dificuldades financeiras. Apesar das expectativas otimistas no início de 2023, as empresas listadas continuaram a enfrentar desvalorizações, em um ciclo de aprendizado lento e doloroso.
Depois de receber bilhões de dólares e gerar altas expectativas, a indústria da produção indoor se vê em provação. A desilusão acontece à medida que os investidores descobrem que os retornos não são comparáveis a empresas de software, por exemplo, sobretudo em um cenário de juros altos e insegurança bancária.
Segundo a plataforma de notícias sobre o mundo dos negócios do agro AGFeed, a AeroFarms, que recebeu mais de US$ 250 milhões em investimentos e esteve envolvida na construção da maior fazenda vertical do mundo, em Dubai, enfrentou dificuldades ao tentar abrir seu capital, devido ao faturamento de US$ 15 milhões, apenas um quarto do esperado para 2022.
Isso levou a empresa a passar por um período de dificuldade que envolveu um breve pedido de concordata. A empresa enxugou boa parte de sua operação, anteriormente focada na produção de microgreens, e passou a se concentrar em pesquisa e desenvolvimento, em uma mudança estratégica visando recuperar a sustentabilidade financeira e a confiança dos investidores.
Outra reportagem, dessa vez do site InfoMoney, com informações da agência Bloomberg, mostrou que as dificuldades atingiram também a empresa AppHarvest, muito devido a uma infestação de pragas em 2021, no Kentucky, resultando em um prejuízo líquido de US$ 170 milhões nos últimos dois anos. A companhia reconheceu que a abordagem de infraestrutura de alto custo não era mais viável e colocou à venda sua fazenda vertical de 2 hectares, onde cultivava tomates, pepinos, morangos e folhosas.
A luz no fim do túnel
Para que o mercado não entre em hibernação completa e possa se reinventar, modelos alternativos vêm sendo desenvolvidos. Um exemplo é o da agtech americana Babylon, que, segundo a AgFunderNews, captou uma rodada de US$ 8 milhões em investimentos a partir de uma proposta baseada em um conceito enxuto.
A empresa não cultiva nada, mas planeja e executa projetos com tecnologia e estratégias projetadas para o cultivo indoor de alimentos, programando o plantio e a colheita e reordenando os suprimentos em nuvem. Em uma de suas parcerias, a Babylon forneceu estações de cultivo a um custo de US$ 15 mil para uma das maiores empresas de transporte marítimo do mundo. Cada estação tinha capacidade de produzir mensalmente 24 quilos de folhosas, que foram oferecidas aos passageiros em viagens de cruzeiro.
Nessa perspectiva, destacam-se as iniciativas de cultivo em estufas de alta tecnologia, que alternem a iluminação por LED com a luz solar, como uma opção mais barata diante de um cenário em que os investidores começam a desaparecer. Por outro lado, as estruturas mais onerosas podem ser valiosas em contextos de escassez alimentar e energia barata, como é o caso do Oriente Médio, ou para produtos de alto valor agregado que paguem pelos custos da produção indoor.
Os desafios
Muitas soluções de indoor farming se voltam para resolver os problemas logísticos da cadeia de hortaliças, buscando aproximar a produção do consumidor final, levando a sério o mote de trazer o campo para dentro das gôndolas do supermercado. Além disso, muitas vezes essas empresas também se apoiam nas narrativas do mercado de produtos orgânicos, a respeito de economia de água e do uso da terra extremamente reduzido por conta da verticalização.
Contudo, o mercado ainda parece perdido em Marte e distante da Terra, presente apenas no imaginário dos filmes de ficção espacial. Isso se dá por alguns aspectos, tanto em função da própria modalidade quanto da principal linha de produtos que vêm sendo cultivados nessas fazendas verticais.
Primeiramente, é importante ressaltar que essa modalidade nada mais é do que um sistema de hidroponia aplicado ao ambiente urbano, fazendo também o controle de aspectos como umidade, iluminação e temperatura. Isso nos leva ao primeiro gargalo desse modelo de negócio, uma vez que o mesmo sistema de hidroponia pode ser aplicado com custos muito inferiores fazendo uso de uma estufa, por exemplo.
Esse modelo, contudo, acaba inflando muito o custo de produção, uma vez que o próprio uso do sistema hidropônico convencional representa um aumento de aproximadamente cinco vezes nos custos quando comparado ao modelo comum. Um modelo indoor possui uma estrutura de custos ainda mais robusta, onde se gasta muito mais com energia, principalmente.
Assim, é natural que o preço de venda desses produtos seja mais alto nas prateleiras de supermercados como Pão de Açúcar, Carrefour, Zaffari e Oba, além de hotéis, restaurantes, hortifrútis, empórios e clubes. Enquanto uma alface crespa comum pode ser encontrada por menos de R$ 4,00 no mercado, a mesma hortaliça orgânica chega a aproximadamente R$ 7,00. Uma alface orgânica cultivada no modelo de indoor farming, por sua vez, pode ser encontrada por estonteantes R$ 14,00.
Essa diferença nos preços mostra que esse tipo de produto ainda é pouco competitivo em relação ao que já temos no mercado, mesmo quando comparado com outros produtos orgânicos. Isso remete ao próximo ponto das “vantagens” logísticas.
A ideia de trazer o campo mais para perto da mesa parece tentadora quando ouvimos constantemente sobre os problemas logísticos que o país possui. No caso das hortaliças, porém, esse problema é muito pouco relevante. Isso se dá principalmente por conta da própria cadeia do produto. Os produtores de hortaliça no Brasil são, quase que em sua totalidade, pequenos produtores localizados próximos aos grandes centros consumidores desses produtos. Isso faz com que seja muito fácil escoar essa produção e, mesmo que esse tipo de produto seja extremamente delicado, ainda assim a possível necessidade de utilização de veículos refrigerados para fazer o transporte não justifica o investimento em uma produção dentro das cidades.
Diante disso, apesar de o indoor farming representar um novo modelo de negócio bastante inovador e interessante, a forma como ele vem sendo aplicado atualmente, buscando resolver um problema inexistente em uma cadeia que funciona com custos bastante reduzidos, assemelha-se à tentativa de lançar um foguete sem tê-lo submetido aos testes necessários.
Nota-se também que trazer o campo à cidade não parece ser um diferencial tão interessante quando se trata do Brasil, onde não temos problema com área agricultável na comparação com países submetidos à escassez de recursos ou desequilíbrios climáticos, como nas regiões do Oriente Médio e da Europa, por exemplo. Esses pontos do modelo, contudo, podem nos dar uma luz em direção à viabilidade do indoor farming, que terá dificuldade para escalar no mercado brasileiro.
Apesar dos gargalos apresentados sobre o modelo, como dito anteriormente, ele pode ser viável quando aplicado a cenários de cultivo específicos, viabilizando a produção seja através das especificidades da cultura produzida, seja por seu alto valor agregado ou até mesmo por causa das adversidades morfoclimáticas de alguma região.
Outra aplicação bastante relevante para esse modelo é em regiões em que existem problemas com áreas agricultáveis ou com disponibilidade hídrica, como é o caso do Oriente Médio. A verticalização da produção possibilita o cultivo de um volume maior em uma área menor, sendo útil em países europeus, por exemplo, onde as questões de área para cultivo são mais evidentes.
Em suma, o alto investimento em capital fixo, ao lado das curvas de aprendizado e de rentabilidade lentas e de um cenário de alta de juros, fez com que a bolha no mercado de indoor farming estourasse, com várias empresas globais perdendo quase todo seu valor de mercado. O modelo não é uma “receita de bolo”: a viabilidade de cada cultivo depende da variedade e do ambiente em que está sendo aplicado. Quando olhamos para o caso do Brasil, o principal gargalo do indoor é o seu alto custo de implantação e consumo de energia.
Por outro lado, ainda existem várias oportunidades dentro desse mercado, principalmente em contextos de aridez. Não se trata de “resolver a fome no mundo” nem de “fazer salada para os ricos”, mas de colonizar ambientes inóspitos e aproveitar ao máximo os recursos neles disponíveis.
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Este conteúdo foi produzido por:
Caio Rosateli
Head de Finanças e processos na WBGI, venture builder em tecnologia para o agronegócio. Bacharel em Administração pela Esalq/USP, se especializando em Finanças e Controladoria pela mesma instituição, tem vasta experiência em análise de viabilidade de projetos, valuation e modelagem financeira.
Pedro Forti
Head de Business Intelligence na WBGI, venture builder em tecnologia para o agronegócio. Doutorando em Administração pela Unicamp, onde atua na área de Gestão e Sustentabilidade, é interessado por modelos de negócios inovadores, estratégia empresarial e tendências de consumo.