Crescimento dos “marketplaces” e manutenção pós-pandemia na perspectiva do consumidor
19 de outubro de 2023
9 min de leitura
DOI: 10.22167/2675-6528-20230029
E&S 2023,4: e20230029
Ingrid Tedeschi Teixeira de Campos; Ingrid de Matos Martins
Em dezembro de 2019, autoridades chinesas relataram à Organização Mundial da Saúde (OMS) os primeiros casos de uma nova cepa de vírus que causava uma pneumonia aguda. Em janeiro de 2020, foi registrada a primeira morte causada pela nova cepa, ao mesmo tempo que ela se espalhava por outros países asiáticos. No mês seguinte, fevereiro de 2020, casos da doença foram registrados em diferentes regiões do mundo, até que, em 11 de março daquele ano, a OMS declarou oficialmente a pandemia de covid-19 no mundo[1].
Como consequência, lojas físicas de diversos setores precisaram ser fechadas, e os olhos se voltaram para as vendas on-line, método de compra e venda que ocorre através de meios eletrônicos, como classifica Premebida[2]. Assim, tanto o “e-commerce” quanto o “marketplace” tornaram-se os principais canais de venda de diversos varejistas. A consequência desses fatores foi um aumento das vendas no setor digital, principalmente dos “marketplaces”, cujo faturamento aumentou em 68% entre 2019 e 2020[3]. Em 2021, o “e-commerce” brasileiro faturou R$ 161 bilhões, apresentando um incremento de 27% se comparado ao ano anterior[4]. Somada a esses números, uma pesquisa da Neotrust[5] apontava uma tendência de expansão do setor para o ano de 2022.
Segundo Paniago[6], os “marketplaces” funcionam como shoppings virtuais, onde várias empresas operam em um único local, conectando compradores e vendedores[7]. Existem diferentes tipos de “marketplace”[8]: de produtos, serviços por orçamento/negociação, serviços por transação, serviços por aluguel e de agendamentos.
Um “marketplace” de produtos reúne lojas ou pessoas que vendem tanto produtos físicos quanto digitais. Existem dois subtipos nesse formato: o de produtos por transação e o de produtos por anúncio. Por outro lado, o “marketplace” de serviços comporta os profissionais e as empresas que prestam serviços[8].
Dentro da categoria de serviço por orçamento/negociação, a classificação dos “marketplaces” pode ter mais três subtipos, conforme a modalidade de cobrança[8]: uma mensalidade para divulgar os serviços; a venda de listas de contatos para o vendedor do “marketplace” prospectar; ou a cobrança de publicidade para destaque dentro da plataforma. Já os serviços por transação são assim denominados quando uma comissão é cobrada a cada venda realizada dentro da plataforma. Serviços por aluguel, por sua vez, conectam proprietários com consumidores interessados em alugar um bem, como carros, imóveis, entre outros[8].
Os “marketplaces” podem ainda ser divididos nas seguintes modalidades[8]:
- agendamentos: permite que o consumidor realize um agendamento de serviço diretamente pela plataforma;
- hiperlocal: plataformas que focam nos consumidores locais, onde vendedores e consumidores têm mais liberdade para negociar entre si;
- de nicho: focado em um grupo específico de mercado, como nos casos da Dafiti e da MadeiraMadeira.
A experiência dentro das plataformas não se resume à compra em si, mas se estende à interação entre consumidor e vendedor, considerando o antes da compra (pesquisar e comparar diferentes produtos/preços em diferentes sites); o durante a compra (adicionar produtos no carrinho, preencher o cadastro e os dados de pagamento); e o pós-compra (rastrear a encomenda, entregar o produto, contatar o vendedor para uma possível troca)[9]. O sucesso do atendimento no “e-commerce”, segundo Lima e Vieira[10], está intimamente ligado aos momentos de pré e pós-venda.
Este estudo tem como objetivo conhecer a perspectiva do consumidor sobre a experiência de compra nesse novo panorama de negócios, mais horizontal, inclusivo e social[11], constituído durante a pandemia de covid-19 e, somado a isso, entender o crescimento dos “marketplaces” nesse período, avaliando como será o cenário no pós-pandemia.
Foi realizada, primeiramente, uma pesquisa bibliográfica em fontes tão diversas quanto artigos, portais da internet e livros. Com base nas questões levantadas por meio da análise da pesquisa bibliográfica, aplicou-se uma pesquisa com abordagem quantitativa, que visou traduzir de maneira efetiva os dados coletados[12]. A pesquisa foi baseada em uma análise descritiva de dados, não tendo como proposta realizar testes estatísticos, dado que a indução necessitaria de uma seleção probabilística da amostra, o que não aconteceu.
O questionário, com 21 questões, contou com perguntas estruturadas acerca da perspectiva dos consumidores sobre a experiência de compra no “marketplace” e foi disponibilizado na plataforma Google Forms. Para o cálculo da amostra foi levada em conta a população brasileira, sem a exigência de identificação, com o intuito de manter o sigilo dos participantes e evitar intimidá-los.
O link do questionário foi divulgado no primeiro semestre de 2022, por meio do aplicativo WhatsApp e das redes sociais, para que as pessoas pudessem responder de maneira anônima e voluntária. Desse modo, foi obtida uma amostra de 82 pessoas, maiores de idade e residentes em diferentes estados do Brasil. Para dar confiabilidade à pesquisa, foi realizado o cálculo amostral de forma on-line, em uma ferramenta disponibilizada pelo site de pesquisa SurveyMonkey, que utiliza a fórmula de Barnett como base.
O objetivo do questionário foi identificar a perspectiva do consumidor sobre a experiência de compra nos “marketplaces” durante a pandemia de covid-19, avaliar a manutenção do interesse nesse tipo de plataforma no período pós-pandêmico e identificar qual panorama futuro se projeta para esse modelo de negócio.
Para atender ao objetivo, primeiramente foram feitas perguntas de maneira a determinar o perfil geral do consumidor, incluindo faixa etária, gênero, renda e região de residência. Posteriormente as perguntas buscaram entender se os pesquisados compravam on-line e, se sim, por meio de qual “device” e em quais categorias. Em seguida, perguntou-se como a pandemia influenciou o comportamento nas compras on-line.
Por último, as perguntas focaram o objeto de estudo: os “marketplaces”. Foi questionado se os pesquisados já tinham feito alguma compra nesse tipo de plataforma e, em caso positivo, em quais “marketplaces”; quais fatores os levaram a comprar; as probabilidades de indicar a atividade para amigos; e, finalizando, como foram as experiências de compra em termos de navegação, facilidade de encontrar produtos e atendimento pós-compra.
A pesquisa obteve o seguinte panorama geral de respondentes: 36,6% tinham entre 26 e 30 anos; 18,3% estavam faixa etária de 31 a 40 anos; e 67,1% se identificaram com o sexo feminino. Em relação aos dados de renda, 42,7% recebiam de três até dez salários-mínimos, e 84,1% residiam na região Sudeste do Brasil.
Analisando as respostas sobre compras, 98,8% costumavam comprar em empresas que mantinham tanto lojas físicas como virtuais. Do total dos respondentes, 97,6% já haviam realizado compras pela internet, sendo que o principal “device” utilizado foi o celular, com 88,8% (71 respondentes), seguido pelo desktop, com 65% (52 respondentes), como é possível observar na Figura 1. Segundo a pesquisa Webshoppers[13], de 2020 para 2021 houve um aumento de 24% nos pedidos de “e-commerce” realizados via “mobile” em comparação com o desktop, resultado que vai ao encontro das respostas do questionário.
Figura 1. Distribuição de respondentes por “device” utilizado para realizar compra on-line
Fonte: Resultados originais da pesquisa.
Ao examinar os resultados da pesquisa no que tange às compras durante o período da pandemia, foi possível notar que 5% dos respondentes fizeram sua primeira compra on-line durante esse período, enquanto 87,5% já compravam dessa forma e apenas passaram a fazer suas compras em novas categorias. Conforme a Figura 2, as três mais procuradas foram:
- alimentos e bebidas (80%): essa tendência é vista no relatório Webshoppers[14], comparando o primeiro semestre de 2021 ao mesmo período de 2022. O relatório mostrou que a categoria teve variação positiva de 128% no período (na pesquisa de Machado[15] sobre compra de produtos pela internet na pandemia, o segmento alimentos e bebidas representou 56,6%, reforçando os resultados obtidos);
- roupas e calçados (80%): ainda comparando com o relatório Webshoppers[14], no primeiro semestre de 2021 versus o mesmo período de 2022, a variação foi de 7%[14];
- remédios (71,4%): a categoria teve uma variação de 15% comparando o mesmo período[14].
Além disso, após a flexibilização das regras restritivas de circulação, 44,7% afirmaram que seu consumo on-line se manteve igual, enquanto 43,4% declararam que sua frequência comprando pela internet aumentou.
Figura 2. Distribuição de respondentes por novas categorias de produtos consumidas on-line durante a pandemia
Fonte: Resultados originais da pesquisa.
Os dados da Figura 3, abaixo, mostram que 95% dos participantes da amostra pesquisada já haviam realizado compras em “marketplaces”, sendo Mercado Livre, Magazine Luiza e Americanas os três mais utilizados. A posição do Mercado Livre, em primeiro lugar, é corroborada pela matéria de Gonçalves[16], que apontou o “marketplace” em questão como o maior site de “e-commerce” da América Latina, segundo um estudo da Uswitch.
Figura 3. Distribuição de respondentes por “marketplace” onde realizaram compras
Fonte: Resultados originais da pesquisa.
Quando perguntados sobre quais fatores os levaram a comprar em “marketplaces”, 81,6% responderam que frete grátis (62 respondentes) era o principal atrativo, seguido por promoções 76,3% (58 respondentes) e facilidade de encontrar os produtos desejados 75% (57 respondentes), como mostra a Figura 4. No estudo de Soares[17], ter um frete competitivo foi apontado como um dos segredos para se manter relevante no cenário pós-pandemia. Por outro lado, enquanto Soares[17] ressaltava que cumprir prazos e cercar o envio de cuidados também era importante, essa preocupação ficou somente em sexto lugar nas respostas da amostra do presente estudo, empatada com mais dois fatores (experiência no site e preço menor do que na loja).
Figura 4. Distribuição de respondentes por fatores que levam a compra em um “marketplace”
Fonte: Resultados originais da pesquisa.
Mais da metade dos respondentes afirmou que indicaria a um amigo a experiência de comprar em um “marketplace”; já 43,4% deles disseram acreditar que, no geral, tratava-se de um ambiente de fácil navegação, onde encontravam com facilidade o produto que procuravam (47,4%) e onde tinham facilidade de acompanhar o envio e a entrega daquilo que compravam (50%).
Pode-se concluir que as compras on-line já eram uma realidade antes da pandemia, uma vez que somente 5% dos participantes da amostra deste estudo realizaram sua primeira compra on-line durante a pandemia. A maior mudança ocorrida em função da restrição de mobilidade imposta no período foi com relação às categorias que passaram a fazer parte dos costumes de compra: 87,5% introduziram novas categorias aos hábitos de consumo, com maior destaque para alimentos e bebidas, roupas e calçados, e remédios.
A maioria dos pesquisados (95%) já tinha realizado uma compra por meio de um “marketplace”, e mais da metade deles indicaria essa experiência a um amigo, fatos que permitem concluir que os “marketplaces” passaram por um processo de valorização depois da pandemia. Já no período pós-pandêmico, o frete passou a ser um fator decisivo na hora da compra, seguido pelo processo de navegação e pelo acompanhamento pós-compra. Resultado parecido pode ser encontrado na pesquisa “Customer insights: Marketplace”[18], que apontou os quesitos de custo e prazo de entrega como setores que precisavam de melhorias, além de indicar o suporte ao cliente (SAC) como ponto fraco dos negócios[18]. Demonstra-se, portanto, que os “marketplaces” precisam focar o desenvolvimento de sua logística e, consequentemente, seus canais de contato de pós-venda com o consumidor, sem se esquecerem de manter o que já foi conquistado na navegação prévia.
Referências
[1] Summit Saúde. 2020: o ano em que a pandemia da COVID-19 parou o mundo. 2020. Disponível em: https://summitsaude.estadao.com.br/desafios-no-brasil/2020-o-ano-em-que-a-pandemia-da-COVID-19-parou-o-mundo/. Acesso em: 25 mar. 2022.
[2] Premebida E.A. E-commerce em 2020, um cenário de oportunidades em meio a pandemia. Research, Society and Development. 2021; 10 (2): e59210212984. doi: 10.33448/rsd-v10i2.12984.
[3] Kuviatkoski C. Mercado de Marketplace: Entenda o Crescimento dos Marketplaces. 2022. Disponível em: https://www.ideianoar.com.br/mercado-de-marketplace. Acesso em: 19 mar. 2022.
[4] Buss G. E-commerce cresceu 27% em 2021 e faturou R$ 161 bi, diz levantamento. 2022. Disponível em: https://www.poder360.com.br/economia/e-commerce-cresceu-27-em-2021-e-faturou-r-161-bi-diz-levantamento/. Acesso em: 31 mar. 2022.
[5] Neotrust. 2021 – Fechamento, 2022 – Projeções e Tendências. 2022. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2022/02/E-commerce-2021-Projec%CC%A7a%CC%83o-2022.pdf. Acesso em: 31 mar. 2022.
[6] Paniago F. Estratégias para se destacar no marketplace. 2022. Disponível em: https://www.ecommercebrasil.com.br/artigos/estrategias-para-se-destacar-no-marketplace. Acesso em: 07 out. 2022.
[7] Kuviatkoski C. Marketplace: O que é, exemplos e como criar um marketplace. 2022. Disponível em: https://www.ideianoar.com.br/marketplace. Acesso em: 26 jul. 2022.
[8] Kuviatkoski C. Tipos de Marketplace: qual o melhor modelo para seu negócio? 2022. Disponível em: https://www.ideianoar.com.br/tipos-de-marketplace/. Acesso em: 31 mar. 2022.
[9] Alves C. Experiência de compra: o segredo para encantar. Disponível em: https://www.clientesa.com.br/artigos/68911/experiencia-de-compra-o-segredo-para-encantar!/ler.aspx. Acesso em: 03 out. 2023.
[10] Lima I.F.; Vieira M.A.F. E-commerce: a importância de uma boa experiência online [Trabalho de Conclusão de Curso]. Catalão (GO): Centro Superior Una de Catalão; 2021.
[11] Kotler P.; Kartajaya H.; Setiawan I. Marketing 4.0. Rio de Janeiro (RJ): Sextante; 2017. E-book.
[12] Equipe QualiBest. Entenda o que é pesquisa qualitativa e quantitativa. 2020. Disponível em: https://www.institutoqualibest.com/blog/dicas/entenda-o-que-e-pesquisa-qualitativa-e-quantitativa/. Acesso em: 03 abr. 2022.
[13] NielsenIQ Ebit. Webshoppers 45. Chicago (IL): Nielsen; 2022. Disponível em: https://nielseniq.com/global/pt/landing-page/ebit/nielseniq-ebit-brasil/webshoppers/. Acesso em: 23 mar. 2022.
[14] NielsenIQ Ebit. Webshoppers 46. Chicago (IL): Nielsen; 2022. Disponível em: https://nielseniq.com/global/pt/landing-page/ebit/nielseniq-ebit-brasil/webshoppers. Acesso em: 07 out. 2022.
[15] Machado I.T. E-commerce e o Perfil de Compra dos Acadêmicos da Faculdade Damas antes e pós-pandemia. Disponível em: https://revistas.faculdadedamas.edu.br/index.php/academiE&S_23069co/article/view/1967/1412. 2020. Acesso em: 04 fev. 2023.
[16] Gonçalves G. Pesquisa coloca Mercado Livre como maior e-commerce da América Latina. 2022. Disponível em: https://www.ecommercebrasil.com.br/noticias/mercado-livre-e-o-maior-e-commerce-da-america-latina. Acesso em: 07 out. 2022.
[17] SoluCX. Customer insights: Marketplaces. 2022. Disponível em: https://solucx.com.br/wp-content/uploads/2022/08/Report_-_Marketplaces.pdf. Acesso em: 05 fev. 2023.
Como citar
Campos I.T.T.; Martins I. M. Crescimento dos “marketplaces” e manutenção pós-pandemia na perspectiva do consumidor. Revista E&S. 2023; 4: e20230029.
Sobre os autores
Ingrid Tedeschi Teixeira de Campos, associate na Shopee Brasil. R. Fernando Falcão, Mooca – São Paulo, SP, Brasil.
Ingrid de Matos MartinsProfessora orientadora, Pecege – R. Cezira Giovanoni Moretti, 580 – Santa Rosa – CEP 13414-157 – Piracicaba/SP, Brasil.
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