Hábitos e comportamentos do consumidor digital de camarão marinho produzido em confinamento
22 de abril de 2022
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DOI: 10.22167/2675-6528-20220023
E&S 2022,3: e20220023
Daniele Klöppel Rosa Evangelista; Alexandre Barreto de Almeida
O camarão marinho é o segundo produto aquícola em valor, embora sua produção represente apenas cerca de 9% do total da produção aquícola nacional[1]. Segundo a Associação Brasileira de Criadores de Camarão (ABCC), a produção do ano de 2019 foi de 90.000 t, com projeções de alcançar 120.000 t em 2020[2].
Contudo, em 11 de março do mesmo ano, a pandemia causada pelo novo Coronavírus [SARS-CoV-2], agente causador da doença Covid-19, foi declarada mundialmente[3]. As perdas econômicas da atividade aquícola, em função da pandemia, envolveram a dificuldade de escoamento da produção, resultando no acúmulo do estoque nos sistemas de produção, a dificuldade na aquisição de insumos, bem como para aquisição ou manutenção de equipamentos, além da necessidade de afastamento de funcionários pertencentes aos grupos de risco ou acometidos por sintomas de síndrome gripal[4]. Para os produtores de camarão marinho, o principal impacto foi a dificuldade de escoamento da produção, caracterizada, em sua maioria, por camarão fresco, e absorvida quase que integralmente pelo mercado interno, seja por meio de negociações com unidades de beneficiamento, com intermediários ou, em menor escala, diretamente com o varejo, hotéis e restaurantes[1].
Os frigoríficos também foram bastante afetados por dificuldades logísticas de aquisição de matéria-prima, e pelas restrições de distanciamento social de seus colaboradores, refletindo em menor capacidade de processamento/dia. O mesmo ocorreu com o setor de “food service”, vinculado ao turismo, hotéis e restaurantes, que foi fortemente impactado por decretos de “lockdown” e pelo receio dos clientes quanto à segurança sanitária de lugares públicos[5]. Isso gerou grande impacto para a cadeia de pescados no Brasil, uma vez que cerca de 70% do consumo de pescado se dá via “food service”[6]. Com os restaurantes fechados, houve aumento no comércio via sistemas de “food delivery” e redes de varejo, uma vez que os consumidores passaram a preparar e consumir os alimentos em suas residências[5]. Observou-se, também, aumento da utilização de plataformas de comércio eletrônico “business-to-consumer” (B2C) e “business-to-business” (B2B), que resultaram, em parte, no acesso a produtos perecíveis – entre eles o pescado. Além disso, o B2C teve incremento significativo nas modalidades “mobile e-commerce”, por meio de plataformas “web” e aplicativos específicos; e “social e-commerce”, por meio de redes sociais[7].
A pandemia trouxe o consumidor 5.0, nativo digital que interage de forma instantânea com as marcas e empresas, a exemplo disso, as mídias sociais[6]. Assim, considerando que as mudanças na forma de comercialização são, também, reflexo de mudanças no comportamento e nos hábitos dos consumidores, um questionário foi elaborado e aplicado, individual e confidencialmente (com o uso do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de Pesquisa On-line). O questionário foi composto por 14 questões, divididas nos blocos: I. Sobre você; II. Sobre aquisição e consumo de camarão marinho; e III. Sobre o serviço de delivery de camarão marinho. O questionário foi disponibilizado, via link do Google Forms, por meio de mídias sociais e contatos pessoais e profissionais de aplicativo de mensagens, no período de 30 de julho a 30 de agosto de 2021.
O Bloco I buscou caracterizar o participante, com informações sobre sua localização, gênero, idade, renda e escolaridade. As 105 respostas obtidas estão distribuídas geograficamente em 52 municípios e 18 unidades da federação (Figura 1).
Figura 1. Mapa da distribuição geográfica domiciliar dos respondentes ao questionário
Fonte: Elaborado pelo autor
Os estados com maior participação individual na pesquisa foram Santa Catarina e Paraná, com 17% e 16%, respectivamente, e São Paulo e Pernambuco, ambos com 10% cada. Considerando-se uma análise regional, as regiões Nordeste e Sul aparecem em primeiro e segundo lugar, com 37% e 34% das respostas, respectivamente. Na avaliação quantitativa das respostas por região, a região Nordeste aparece, evidentemente, com a maior porcentagem de contribuição nas respostas, uma vez que concentra os maiores estados produtores de camarão marinho do país, com destaque para o Ceará e o Rio Grande do Norte[2].
Quanto ao gênero, a maior parte dos participantes se autodeclarou do gênero feminino (53%), e os demais do gênero masculino (47%). A faixa etária dos participantes da pesquisa abrangeu, principalmente, a faixa dos 30-39 anos (42%), seguido das faixas de 20-29 anos (18%), 40-49 anos (16%), 50-59 anos (13%) e acima de 60 anos (11%).
A principal faixa de renda declarada pelos participantes foi a de um a cinco salários mínimos, com 37% das ocorrências; seguida pelas faixas de seis a dez salários mínimos, acima de onze salários mínimos e até um salário mínimo com, respectivamente, 30%, 26% e 7% de ocorrências. Quanto à escolaridade dos participantes, 62% responderam ser portadores de título de pós-graduação, seguido por ensino superior completo (17%), ensino superior incompleto (15%), ensino médio completo (4%) e ensino fundamental completo (2%). Os participantes que se declararam com pós-graduação são, em sua maioria, do sexo feminino (54%), na faixa de 30-39 anos (48%), e residentes nos estados de Santa Catarina (18%), São Paulo e Paraná, ambos com 14%, e Pernambuco e Ceará, igualmente com 9%.
O Bloco II de perguntas trouxe informações sobre as formas de aquisição e consumo do camarão marinho antes e depois da declaração da pandemia causada pela Covid-19. Antes do início da pandemia, os participantes declararam que, em 34% das ocorrências, o consumo era realizado raramente, 23% afirmaram consumir o produto uma vez por mês, 17% consumiam de duas e três vezes ao mês, 12% alegaram consumir uma vez na semana, 10% disseram nunca consumir o produto e 3% disseram consumir entre duas e três vezes por semana (Figura 2).
Figura 2. Frequência de consumo do camarão marinho antes da declaração do estado de pandemia
Fonte: Elaborado pelo autor
Quanto à forma como se dava o consumo do camarão marinho antes da declaração da pandemia no país, 61% dos participantes disseram que o consumo era feito em casa, a partir do preparo de produto resfriado ou congelado, adquirido por meio de lojas de atacado ou varejo. Cerca de 23% consumiam por meio da rede de “food service” (bares e restaurantes); 10% não o consumiam de forma alguma. Sobre o consumo feito por meio de serviço de “delivery”, 3% consumiam produto resfriado ou congelado preparado em casa, e outros 3% disseram consumir o prato pronto (Figura 3).
Figura 3. Formas de consumo do camarão marinho antes da declaração do estado de pandemia Fonte: Elaborado pelo autor
Os entrevistados também foram questionados acerca de sua percepção quanto à facilidade de acesso e/ou aquisição de camarão marinho em sua cidade ou região. Como resultado, 15% não responderam, 68% relataram uma percepção positiva sobre a facilidade de acesso e aquisição, e 16% tiveram uma percepção negativa.
Alterações no padrão de consumo foram estimuladas pela pandemia, seja pelo incentivo ao consumo de alimentos mais saudáveis, seja pela descapitalização da população, que a impeliu a buscar opções com preços mais acessíveis[8]. Assim, quando questionados sobre como a sua frequência de consumo de camarão marinho se comportou após o início da pandemia, 50% dos entrevistados disseram que ela permaneceu a mesma, 29% acreditam que a frequência de consumo tenha diminuído, 15% disseram que a frequência de consumo aumentou, 4% deixaram de consumir e 2% nunca consumiram o produto (Figura 4).
Figura 4. Frequência de consumo de camarão marinho posterior à instalação do estado de pandemia
Fonte: Elaborado pelo autor
Embora 50% dos participantes tenham mantido a mesma frequência de consumo de camarão marinho após o início da pandemia, a análise das informações sobre a forma de consumo de camarão nesse período mostra que houve alteração no padrão de consumo. Com o início da pandemia, o consumo de camarão marinho em casa, a partir de produto resfriado ou congelado e adquirido por meio de atacado ou varejo, diminuiu em 18%, passando de 61% para 50% dos casos. O consumo por meio da rede de “food service” (bares e restaurantes) passou de 23% para 17%, representando uma queda de 26%. Por outro lado, o consumo por meio de serviço de “delivery”, apresentou um aumento geral de 150%, após o início da pandemia. Individualmente, o consumo por “delivery” de produto resfriado ou congelado passou de 3% para 7%, com aumento de 133%; enquanto o consumo de prato pronto à base de camarão marinho aumentou em 166%, passando de 3% para 8% (Figura 5).
Figura 5. Formas de consumo do camarão marinho posterior à instalação do estado de pandemia Fonte: Elaborado pelo autor
Sobre a percepção dos participantes quanto à facilidade de acesso e/ou aquisição de camarão marinho após o início da pandemia, 15% não responderam a essa pergunta, 27% tiveram posicionamento neutro, de não percepção de qualquer mudança, 37% tiveram uma percepção positiva de melhora dessa facilidade e 21% tiveram uma percepção de piora dessa facilidade. A percepção de neutralidade pode estar relacionada ao consumo eventual ou não consumo, relatado por parte dos entrevistados. Já a percepção de melhora na facilidade de acesso pode ser devido ao aumento da oferta de camarão marinho para comercialização no mercado interno, uma vez que pequenos produtores recorreram ao abastecimento de supermercados com forma alternativa de escoar a sua produção[8]. Quanto à percepção da diminuição da facilidade de acesso e aquisição do camarão marinho, pode estar relacionada à crise financeira que se seguiu, com o fechamento de muitos estabelecimentos, paralisação ou eliminação de postos de trabalho e a necessidade dos consumidores de buscar opções mais acessíveis de proteína animal[5], [6]. Do mesmo modo, observou-se uma tendência de troca de produtos mais caros como bacalhau, camarão e lagostas, por produtos de custo inferior e, portanto, mais acessíveis[9].
O terceiro e último bloco de perguntas do questionário abordou a experiência do participante com a compra de camarão marinho por meio de canais virtuais e serviço de “delivery”. A maioria dos entrevistados nunca realizou uma compra virtual de camarão marinho, 76%, enquanto 24% dos participantes afirmaram já ter comprado o produto por meio de canais virtuais. Dos 24% que já realizaram uma compra virtual de camarão marinho, 52% disseram ter comprado por meio de aplicativo ou “software” de “delivery” local/regional, 36% compraram por meio de redes sociais como Instagram e Facebook e 12% por meio de aplicativo ou “software” de empresa do ramo de carcinicultura. Além disso, dados da pesquisa mostram que as chances de os participantes da pesquisa virem a realizar uma compra virtual de camarão marinho nos próximos três meses é de 51%, contra 49% que disseram ter uma chance baixa ou muito baixa de realizá-la.
Mesmo com o aumento da utilização de plataformas de “delivery” e “e-commerce”, os consumidores estão divididos quanto à utilização ou não de um serviço de “delivery” para a aquisição de camarão marinho. Para aqueles habituados a consumir camarão marinho comercializado fresco, o costume de escolher os camarões em feiras e bancas de supermercado pode ser um fator limitante à adoção ao serviço de compra por “delivery”. A percepção negativa da utilização de canais virtuais, como redes sociais, aplicativos e “softwares” de “delivery” para a aquisição de camarão marinho foi de 40% e, em 22% dos casos, a justificativa foi a impossibilidade de escolher o produto. Essa foi a pergunta aberta com a menor porcentagem de respostas (73%), claro indício de que a temática ainda é nova para parte dos entrevistados.
A venda de camarões marinhos produzidos em confinamento por meio de ambiente de “e-commerce” e aplicativos de “delivery” é factível, além de ser uma realidade entre os consumidores desse produto. A expansão do modal de comércio dependerá da confiança do consumidor na qualidade do produto adquirido. Contudo, também é necessário que a cadeia produtiva invista em ações estratégias de mercado para fornecer ao consumidor informações confiáveis para que o memo possa fazer as melhores escolhas de consumo – ou seja, o camarão marinho congelado, por exemplo, é um produto de qualidade superior ao produto fresco, que é comercializado resfriado e perde qualidade rapidamente ao longo do tempo.
Referências
[1] Ximenes L.F. Produção de pescado no Brasil e no Nordeste brasileiro. Caderno Setorial ETENE. 2021; 5(150): 1-16.
[2] Associação Brasileira de Criadores de Camarão (ABCC). Produção Brasileira de Camarão Marinho Cultivado por Estado: Dados Reais de 2015 a 2019. 2020. Disponível em: < https://abccam.com.br/wp-content/uploads/2020/10/Producao-de-Camarao-2020.pdf>.
[3] Organização Pan Americana da Saúde (OPAS). Histórico da pandemia de Covid-19. 2021. Disponível em <https://www.paho.org/pt/covid19/historico-da-pandemia-covid-19>.
[4] Lima L.K.F.; Maciel P.O.; Kirschnik L.N.G; Chicrala P.C.M.S.; Routledge E.A.B.; Borghesi R. Informativo Técnico para o Aquicultor: Coronavírus (Covid-19). Palmas: Embrapa Pesca e Aquicultura. 2020. Disponível em: <https://www.embrapa.br/pesca-e-aquicultura/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1121690/informativo-tecnico-para-o-aquicultor-coronavirus-covid-19>.
[5] Kakoolaki S.; Ebne al-Torab S.A.; Ghajari A.; Anvar A.A.; Sepahdari A.; Ahari H.; Hoseinzadeh H. Socio-economic impacts of Coronavirus (COVID-19) outbreak on world shrimp aquaculture sector. Iran. J. Aquat. 2020; 6 (1): 1-18.
[6] Carvalho R.; Figuerola W.B.; Souza R. As Dores e as Oportunidades para o Carcinicultor no Mercado Pós Pandemia. Revista ABCC. 2020; 22 (1): 26-31. Disponível em: <https://abccam.com.br/wp-content/uploads/2020/11/ARTIGO-RODRIGO-CARVALHO-REVISTA-ABCC-ED.-DIG.-JULHO-2020.pdf>.
[7] Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO); Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Sistemas Alimentarios Y Covid-19 en América Latina y el Caribe: La oportunidad de la transformación digital. Santiago: FAO; 2020. Boletín 8. Disponível em: <http://www.fao.org/3/ca9508es/CA9508ES.pdf>.
[8] Carvalho R.A.P.L.F. A pandemia e os desafios para o mercado do camarão cultivado. Feed & Food. 2020; 14(159): 86-87. Disponível em: <https://abccam.com.br/wp-content/uploads/2020/07/REVISTA-FEED-FOOD-JULHO-DE-2020.pdf>.
[9] Chicrala P.C.M.S.; Santos V.R.V.S.; Lima L.K.F.; Sousa D.N.; Kato H.C.A.; Ummus M.E.; Vale T.M. Breve análise do impacto da pandemia da covid-19 sobre as indústrias de processamento de pescado. In: Freitas P.G.; Mello R.G. (Orgs.). Pandemia COVID-19 no Brasil: políticas públicas e demandas sociais. Rio de Janeiro: e-Publicar. 2021; p. 155-166. Disponível em: <http://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/handle/doc/1132965>.
Como citar
Evangelista, D.K.R.; Almeida, B.A. Hábitos e comportamentos do consumidor digital de camarão marinho cultivado. Revista E&S. 2022; 3: e20220023.
Sobre os autores
Daniele Klöppel Rosa Evangelista, Analista de Transferência de Tecnologia na Embrapa Pesca e Aquicultura, Palmas, TO, Brasil.
Alexandre Barreto de Almeida, Harfsen Research, Departamento de gestão de projetos de inovação, Piracicaba, SP, Brasil.
Editorado por : Edson Pereira da Mota
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