Peso ótimo de abate de peixes em função do mercado, custos, rendimentos de produção e do processamento – o caso da tilápia
13 de julho de 2021
7 min de leitura
DOI: 10.22167/2675-6528-20210006
E&S 2021, 2: e.20210006
Gustavo Luiz Naslausky Bozano e José Eurico Possebon Cyrino
A produtividade de um sistema de piscicultura é “governada” pelos fatores variedade (espécie), ambiente e manejo, agrupados sob as égides de fatores determinantes da produção, tais como taxa de crescimento específico, rendimento de carcaça e composição corporal, temperatura ambiente; fatores limitantes da produção, a exemplo de habilidade forrageira da espécie, índice de conversão alimentar e qualidade da água, e fatores de redução da produção, como rusticidade e adaptabilidade, comportamentos agonísticos (dominância), inimigos naturais etc. Esses fatores são estudados e resumidos nos conceitos de bioeconomia, como capacidade de sustentação (biomassa máxima que o sistema de produção pode sustentar), biomassa econômica (aquela que maximiza o retorno do sistema) e biomassa crítica (ponto de máximo ganho de peso em função da biomassa), que uma vez determinados, permitem a avaliação da máxima lucratividade de um sistema de produção, prática que não representa qualquer novidade.
Em suma, o “ritmo” de aumento da biomassa total (produção) de peixes estocados atinge um limite máximo e, então, começa a diminuir como resultado da redução natural da taxa de crescimento com a idade. Ao mesmo tempo, em função da diminuição do espaço (conforto ambiental) – maior biomassa confinada no mesmo espaço –, os estoques confinados podem começar experimentar casos de mortandade mórbida ou severa, o que afeta negativamente a produção total do sistema. Assim, o momento de despesca economicamente ideal ocorre quando o lucro da produção dos peixes vendidos no mercado – preço do peixe multiplicado pelo rendimento do peixe menos o custo de produção do peixe – está no valor máximo (ver R.R. Springborn et al., 1992)
A determinação da biomassa econômica indica ao produtor o momento certo da despesca para a máxima rentabilidade do negócio, mas nem sempre o peso econômico ideal para a despesca dos peixes é o peso ideal para otimizar os processos “dentro” do frigorífico. Além disso, é necessário compreender determinadas nuances mercadológicas que influenciam a rentabilidade do negócio e mensurar as variações de receita em função dos preços por diferentes tamanhos de filé e o rendimento de carcaça em diferentes pesos de peixe.
A remuneração diferenciada em função de diferentes tamanhos de filé é prática corrente na comercialização do pescado no exterior, mas apesar de comum para peixes inteiros em algumas regiões, ainda não foi totalmente adotada no país. Entretanto, a maioria dos canais de vendas já trabalha com tamanhos mínimos e máximos pré-definidos e, por isso, é fundamental entender bem o mercado que será atendido para avaliar o momento de despesca. No caso da tilápia, mercados que realizam venda direta ao consumidor geralmente dão preferência à comercialização de filés acima de 120 g, que correspondem ao abate de peixes com peso maior que 720 g (admitindo-se 33,3% de rendimento de carcaça, ou seja, 720 g x 33,3% = 240 g de filé = dois filés de 120 g) para atender a demanda de clientes que usualmente não compram o filé por peso, mas sim por unidade (um filé para cada membro da família por refeição, por exemplo). Desta forma, quanto maior o filé, maior a quantidade de peixe que será comercializada por cliente. Por sua vez, o tamanho do filé comercializado para restaurantes e bares acontece em função do sistema de atendimento de cada estabelecimento. Restaurantes especializados na culinária oriental, que usam filés de tilápia para cortes de “sashimi”, preferem adquirir filés com peso superior a 180 g, proveniente do processamento de peixes com peso acima de 1.080 g, visto que filés maiores proporcionam cortes mais altos e menores perdas de produto para confecção dos pratos. Restaurantes que operam à la carte normalmente preferem adquirir filés de 100-120 g, obtidos do processamento de peixes de 600 a 720 g; quando o estabelecimento serve pratos para duas pessoas, a preferência é dada para filés de 200 g, obtidos do processamento de peixes com peso médio de 1.200 g. O filé de tilápia é normalmente servido inteiro no prato, portanto, filés fora destes padrões “obrigam” os restaurantes a servir mais peixe por prato, reduzindo sua rentabilidade. Desta forma, apesar de não haver preços diferenciados por tamanho (peso) de filé, determinados canais de comercialização simplesmente não compram o produto que não esteja no padrão requisitado.
A relação entre o rendimento de carcaça e o porte dos peixes é outro aspecto a ser levado em consideração. Nas pesquisas realizadas sobre o assunto, há poucos relatos de diferenças (significativas) relativas ao efeito do porte dos peixes à despesca no rendimento de carcaça, e quando há, atribui-se o resultado muito mais à metodologia (técnica) utilizada para filetagem, à precisão do processo de mecanização, à genética da espécie produzida, ao empenho e treinamento dos funcionários, do que ao tamanho dos animais em si. Mas por menor que seja, o impacto financeiro destas diferenças deve ser avaliado. Como exemplo, vamos utilizar o trabalho publicado por Souza et al. (2005), no qual é relatado que tilápias com 601 a 700 g (peso médio de 650 g) têm rendimento em filé semelhante ao grupo de 701 a 800 g (peso médio de 730 g), com diferença de 0,24% a favor do grupo de peixes maiores. Apesar de parecer pequena, quando avaliada do ponto de vista econômico, a diferença no rendimento é considerável. Considerando-se o volume de produção de uma unidade com capacidade de processamento de 200.000 animais por mês, o valor de 0,24% superior de rendimento de carcaça em filé significa um incremento mensal de 350 kg de filé, que a um preço médio de R$ 25,00 por kg, representa um faturamento adicional de R$ 8.750,00 por mês, que corresponderia a quase 10% da folha de pagamento relativa à operação de um frigorífico deste porte.
Considere-se ainda a produtividade (neste caso, produção total por período) no processamento do pescado em função do peso do animal. No caso da produtividade por funcionários, por exemplo, como regra geral quanto maior o peso médio dos peixes, mais quilogramas de peixe os funcionários conseguem processar por unidade de tempo. Uma unidade com capacidade para processar 200.000 animais por mês, utilizando peixes com peso médio de 650 g, processa 130.000 kg de peixe por mês (200.000 x 0,650 kg por animal = 130.000 kg de peixes). Se os mesmos animais estivessem com peso médio de 730 g, no mesmo mês e praticamente com o mesmo esforço, o trabalho do frigorífico “renderia” 146.000 kg (200.000 animais x 0,730 kg por animal = 146.000 kg de peixe). Ter-se-ia então no caso dos peixes da classe de tamanho menor, considerando-se um rendimento médio de 33,3%, valor corresponde a 43.290 kg de filé para comercialização, com peso médio de 108,2 g. No caso dos peixes da classe de tamanho maior, a produção, admitindo-se o mesmo rendimento de 33,3%, seria de 48.618 kg de filé, com peso médio de 121,5g. Mesmo sem diferença de preço entre os diferentes tamanhos (peso) dos filés, o faturamento adicional de 5.328 kg de filé (novamente considerando um preço de venda de R$ 25,00 por kg) seria de R$ 133.200,00 por mês. A diferença de resultado é maior que o lucro operacional de muitas unidades de produção deste tamanho.
Por último, considere-se a uniformidade em peso e tamanho do lote despescado. As variações de peso são determinadas pela competitividade dentro do ambiente de produção, parcialmente influenciada pela genética do animal. O fato é que a dispersão de tamanhos no momento do processamento influencia diretamente o rendimento de carcaça, principalmente no momento da retirada da pele. Equipamentos de filetagem são regulados para que a retirada da pele seja feita com um corte superficial, de forma que permaneça aderido à pele o mínimo possível de músculo, com o mínimo de sobras de pele também aderidas ao filé, facilitando deste modo a toalete final. Se há uma variação muito grande de tamanho de peixes, os operadores são obrigados a regular o equipamento (de filetagem) para o tamanho médio dos animais. Consequentemente, quando um peixe maior passa pelo equipamento, o corte de pele é mais profundo do que deveria, retirando assim mais carne do filé do que o necessário. Por outro lado, se um animal menor “passa” pelo equipamento, o corte será mais superficial do que o necessário, deixando muita pele no filé e aumentando o tempo necessário para a toalete final. Para minimizar as perdas, em muitos casos, é necessário separar os peixes por tamanho e regular o equipamento diversas vezes durante o processo, quebrando o “ritmo” e aumentando o tempo do processamento e o custo de mão de obra. Além disso, em um lote com peixes de peso médio mais reduzido, podem existir animais com peso abaixo do mínimo recomendado para processamento, o que não só aumenta os descartes com consequente redução de rendimento, como também afeta diretamente a rentabilidade e, portanto, influencia as recomendações para ótima gestão do sistema.
Ainda são poucos os sistemas agroindustriais que trabalham com pescado e detêm o controle da produção, processamento e comercialização. Com toda a estrutura trabalhando com máxima eficiência, fica mais simples avaliar os pontos de estrangulamento do empreendimento, definir prioridades de investimento e projetar o crescimento do negócio e os ganhos de escala de forma ordenada e assertiva, permitindo o acúmulo dos ganhos financeiros de cada etapa da cadeia, tornando o negócio mais rentável como um todo. A decisão do momento da despesca deve considerar todos os fatores envolvidos no negócio, o tema é complexo e provavelmente o ponto mais difícil para tomada de decisão em unidades verticalizadas que trabalham com produção e processamento de peixes. É fundamental então que as empresas façam uma gestão baseada na interpretação das informações de forma integrada entre os setores comercial, técnico e de marketing. A integração de todos esses processos facilita a gestão estratégica do negócio e deve ser dinâmica para permitir o acompanhamento das mudanças do mercado.
Referências
Springborn, R.R.; Jensen, A.L.; Chang, W.Y.B.; Engle, C. 1992. Aquaculture and Fisheries Management, 23: 639-647.
Souza, M.L.R.; Viegas, E.M.M.; Sobral, P.J.A.; Kronka; S.N. 2005. Efeito do peso de tilápia do nilo (Oreochromis niloticus) sobre o rendimento e a qualidade de seus filés defumados com e sem pele. Ciência e Tecnologia de Alimentos, 25(1): 51-59.
Nota
Este artigo é derivado de dados discriminados e discutidos na tese de doutoramento do primeiro autor, que trata do gerenciamento e economia da produção de tilápias em tanques-rede no centro-oeste do Brasil, e já publicado em parte como: Bozano, G.L.N., e J.E.P. Cyrino. 2019. A definição do peso ótimo de abate de peixes em função do mercado e dos custos e rendimentos de produção e processamento. Revista da Associação Brasileira de Criadores de Camarão [ABCC] 21(2): 59-60.
Como citar
Bozano, G.L.N.; Cyrino, J.E.P. 2020. Peso ótimo de abate de peixes em função do mercado, custos, rendimentos de produção e do processamento – o caso da tilápia. Revista Estratégias e Soluções, 2: e.20210006.
Sobre os autores
Gustavo Luiz Naslausky Bozano, Doutor em Agronomia (Ciência Animal e Pastagem), sócio-diretor da Aqua Lagus Representação Agropecuária e da PartnerFish Consultoria
José Eurico Possebon Cyrino, Ph.D. – Professor Titular – Piscicultura; Departamento de Zootecnia, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo
Editorado por: Edson Pereira da Mota
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